Poupar, estocar, economizar


Imagem de Mihai Paraschiv por Pixabay 


Já perdi a conta dos dias de quarentena.

Já ri horrores das piadas, brasileiro é engraçado demais.

Já pirei, já decidi que minha filha se formou, tosei a cachorra, fiz bolo, fiz cortina, assustei com o presidente, aplaudi o ministro, passo horas nas redes sociais, estou numa luta feroz contra as pulgas.

Cursos online? Estou fazendo 3, um na minha área e outros dois em áreas que também me atraem. Estou lendo um livro que estava querendo, lavando roupa, fazendo tudo que envolve o dia a dia de uma família. A pandemia me pegou no pulo, entre empregos: saí de um e ia começar outro, estou suspensa no ar esperando os próximos capítulos, então nem estou de home office, estou de home home mesmo.

Mas parece que estou muito atrás de todo mundo. Todo mundo está arrasando nessa quarentena, menos eu. As receitas já saíram dos cadernos, as fotos dos baús, os amigos perdidos reconectados, as igrejas online, as famílias sorridentes nas redes, todo mundo fazendo resenha virtual.

Estou me sentindo meio peixe fora d'água, sabe? Talvez pelo meu temperamento do contra, mas talvez não.

Ando preocupada com a maneira como todos estão levando tão light esse momento. Acho que meu approach é um pouco diferente. Essa pandemia me fez parar para refletir: sou cristã e acredito que estamos vivendo o fim dos tempos. Ele pode não chegar amanhã, mas que essa roda já está girando, está. E o fim dessa estrada é a  segunda volta de Cristo, a vitória final para quem a espera, e isso não é para ser levado de qualquer maneira, merece atenção e uma reflexão profunda. Não é para ter medo, é algo que deve nos encorajar. Para os cristãos, o fim de todas as coisas é a eternidade com Cristo, o fim de todas as mazelas e dores. Não acho que já seja para agora, e nem estou estipulando prazos, mas estou sim, reconhecendo que é um evento de magnitude mundial, que já mudou a História, e que o que vem depois não pode ser enfrentado de qualquer maneira.

Acho que o que quero dizer é que estamos todos ainda achando que ao acabar a quarentena vai ser só abrir a porta e abraçar os amigos. Parece que ninguém está entendendo que vai abrir a porta e vai ter um país, um mundo para reconstruir. Profunda recessão, desemprego nas galáxias, perda de vidas. Essa é a realidade. Não somos heróis salvando o mundo por ficar em casa. Estamos no máximo salvando algumas vidas, mas o mundo... ah, esse que a gente conhecia já era, estamos nos guardando para construir outro.

É difícil escrever e ler isso, mas o mundo que nós conhecíamos, em parte, morreu. Mercado, educação, relações sociais, internacionais, tudo vai mudar. 11 de setembro elevado à enésima potência. Você sabia que até 1990, quando houve a Guerra do Golfo, nos aeroportos americanos você acompanhava quem ia viajar ou esperava a pessoa na porta do finger? Depois do 11 de setembro de 2001, então, o que viraram os aeroportos? Segurança é a palavra de ordem. E agora, o que virá? Um scanner para detectar possíveis viroses? Infecções? O que vem agora?

E a área econômica? Se a luta era para empregar 11 milhões de pessoas no Brasil, quantos serão adicionados a essa lista? Quantos negócios vão quebrar, quanta gente vai morrer não do corona, mas de desespero? Ontem Rodrigo me falou que leu a notícia de um empresário que demitiu seus 223 funcionários e se matou. Eu entendo esse cara. Se não fosse Jesus, não sei se nós dois mesmos estaríamos vivos. A quebra de um empreendimento é muito mais do que a questão financeira, isso é só a ponta do iceberg. Teremos nas ruas empresários quebrados, desesperados, culpados por não terem gerido corretamente seus negócios se preparando para a crise (não creio que alguém se preparasse para uma pandemia até esse momento) e sem coragem ou forças para recomeçar.

Depressão, pânico, ansiedade, todas essas doenças emocionais terão uma escalada gigantesca se as pessoas não se cuidarem e não fizerem desse um tempo de poupar, estocar e economizar, para ter o que compartilhar quando chegar a hora.

O objetivo desse texto não é calar as piadas, que eu amo, nem defender o fim do isolamento, nem de qualquer maneira recriminar quem está aproveitando esse tempo para fazer tudo que nunca pode fazer, o que é a grande alegria desse momento. O que quero é trazer a reflexão de que esse é um tempo de se abastecer.

Esse isolamento não vai acabar tão cedo, e talvez seja melhor ir mais devagar. Não veja todas as suas fotos ainda, não cozinhe tudo de uma vez. Não se proponha a ser tão ativo nas redes sociais agora, quando todos ainda estão no pique.

Em poucos dias, as mortes vão aumentar, vão chegar mais perto de nós, e talvez até atingir a família. Estamos preparados para isso? Não apavorados, preparados. É uma doença nova, não é culpa de ninguém (apesar das piadas com os chineses...), e apesar da confiança em Deus, ela pode chegar, sim, até sua casa. A gente não sabe se Deus vai permitir ou não.

É tempo de estocar fé, amor, ânimo, confiança. Saber que podemos perder pessoas, mas também que Deus tem um plano nisso tudo. Além disso, é tempo de poupar, a si e aos outros. Ter sensibilidade, não se manter em atividade excessiva, tirar uma soneca extra, sair da rotina, voltar para a rotina. Ver o mínimo necessário de notícias. Tomar sol. Fazer nada. Conhecer um pouco mais a si mesmo e ter um sentimento de time, de família, com as pessoas que estão isoladas com você. As pessoas que te veem pelas redes sociais podem esperar.

Algo que mexe com o mundo precisa mexer com você. Como você vai enfrentar o mundo pós quarentena? Como vai garantir um lugar no mercado de trabalho, ou gerar vagas de emprego? Quem seremos nós nesse mundo novo? Você imagina que algum governo poderá resolver a vida de todos nós? Vamos ter que aprender a nos virar, e convenhamos que isso não é uma dificuldade. É a hora de provar que a NASA precisa estudar os brasileiros de verdade.

Em vez de gastar tudo, financeira, física e emocionalmente, aprenda a economizar sua renda, sua energia, suas atividades. Prepare-se para correr uma maratona. As pessoas parecem imaginar que isso é uma corrida de 400m com obstáculos, uma coisa rápida. Não, minha gente, isso é uma maratona, ou talvez um Iron Man. Muitos vão cair no meio do caminho, e precisamos não só ter forças para seguir, mas também para carregar aqueles que não tiverem.

Aprenda coisas novas, faça cursos, pesquise tendências, faça planos. Fale menos e escute mais; lembre-se que ninguém viveu uma pandemia antes, nem os governos e nem ninguém sabe exatamente o que fazer.

Poste menos e viva mais. Renove sua mente. Se você é cristão, dedique-se ao estudo pessoal da Bíblia.

Vamos guardar fôlego para quando as coisas realmente ficarem feias. Conecte-se ou reconecte-se com amigos sem precisar mostrar nas redes. As pessoas sem amigos também estão nas redes e a sua reunião feliz pode ser o triste lembrete da realidade delas. Faça as comidas mais incríveis que puder, mas lembre daqueles que só tem uma lata de milho na despensa, e nenhum ânimo para abri-la. Viva para dentro da sua casa. Em vez de fotos da sua maravilhosa quarentena, ou da rotina de exercícios que não para, pense em como você pode contribuir para levantar ânimos. O que você sabe que as pessoas precisam saber?

Cuidado para não esvaziar as pessoas. Vamos encher todas as despensas de paciência, amor, força, ânimo, esperança. Distribua criatividade, palavras boas, músicas bonitas.

É preciso ter estoque de fé, paciência, amor, força e ânimo. Já temos precisado uns dos outros, mas daqui para frente será mais intenso.

Prepare-se. Poupe, estoque, economize, para não ficar sem força no meio do caminho e para poder levar mais alguém com você.



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