Quando liga a chave "mãe"

Estamos passando nossos dias de férias com a família em Natal. Como acontece todo ano, o Rodrigo me chamando para dentro do mar, depois da arrebentação, e eu fingindo de morta.
Entre os meus 9 e os 19 anos, passamos todos os verões numa pequena cidade de SC chamada Barra Velha. Numa época sem internet, celular ou qualquer outro meio rápido de comunicação, o tempo andava bem diferente.
Eu amava aquele lugar, era o meu paraíso. Ficávamos sempre no "conjunto Albina", um predinho de térreo e primeiro andar, onde montávamos nossa casa de verão. A praia não era de capa de revista, mas fazia minha alegria. O mar era bravo, e todo dia de manhã íamos à varanda ver a cor da bandeira dos salva vidas. Se era verde, talvez rolassem só uns 4 ou 5 caixotes naquele dia. Amarela, o número aumentava consideravelmente. A vermelha me inspirava respeito, e a preta... nem na areia era bom ficar.
Nesses 10 verões, aproveitei muito aquele mar, tomei muitos e muitos caixotes, fiquei ralada, enchi o cabelo de areia, e dei muita, mas muita risada. Nunca tive medo. Ficar na beiradinha era "caixão e vela preta". As vovozinhas gorduchinhas iam bem cedinho para a praia com seus maiôs de saiotinhos e ficavam de mãozinhas dadas na beirada. Invariavelmente acabavam no chão de pernas para o ar. O mais engraçado é que no dia seguinte estavam lá fazendo exatamente a mesma coisa.
Aquele mar era minha alegria. Uma vez fiquei tanto tempo que não conseguia sair porque estava fraca de fome. E naquele mar tinha que estar forte, o tal puxava para todo lado, era uma luta para sair. Até quando estávamos caminhando às vezes a onda vinha como uma rasteira e íamos todas para o chão. Era muito engraçado. E assim eram os verões da minha vida.
No verão de 1995 inaugurei uma nova fase. Fui para Barra Velha pela primeira vez como mãe. Amanda tinha 2 meses. Eu estava com saudade do mar!
Naquele ano, o mar estava diferente. Aliás, ele realmente mudou muito. Hoje não dá nem para entrar, muito bravo mesmo.
Bom, eu nunca tive medo do mar. Assim, deixei a Amanda com a minha mãe e entrei. Passei a arrebentação, mas não deu muito certo. Fiquei inquieta. Decidi voltar. Comecei a voltar, e as ondas quebravam em cima de mim, me jogando para o baixo, e não para a borda, e com um barulho ensurdecedor. Meu amigo de tantos anos tinha mudado. Mas ainda era o mesmo mar, e eu quase sabia o intervalo entre as ondas. Assim, quando uma me afundava, eu sabia mais ou menos quanto tempo tinha até a próxima, e nadava furiosa. Considerando que eu amamentava, não tinha comido direito, e tinha passado por um parto 60 dias antes, fui até bem. Mas o cansaço chegou e ainda faltava muito para a borda. A cada onda eu demorava mais para subir. Meu corpo estava cansado, mas a cabeça a mil. Só pensava na bebê que estava na areia. Ninguém nem viu o que estava acontecendo. Talvez por estarem acostumados comigo naquela água. O fato é que de alguma maneira - e eu tenho certeza que foi a mão do Senhor - cheguei na areia. Fiquei sentada ali um tempo, me refazendo e agradecendo a Deus, e naquele momento alguma coisa mudou em mim. Só depois eu entendi o que foi: a chave "mãe" foi ligada dentro de mim.
Acho que todas as mulheres têm esse momento, em que alguma coisa dentro de você simplesmente muda, porque alguém depende de você. Para algumas já no parto, para outras mais tarde, mas todas nós temos um "click" e não somos mais as mesmas.
Hoje em dia, minha diversão são as montanhas-russas, adrenalina com risco controlado e segurança.
Há uns 4 ou 5 verões venho reparando que na praia vemos homens de todas as idades e algumas mulheres "depois da arrebentação", mas praticamente não vemos mães. Ficam todas mais na beirada, mesmo. Acho que é inconsciente, mas a maioria das mães não é muito de correr riscos desnecessários.
O instinto de sobrevivência e proteção das mães é incrível. Deus nos equipou de maneira que nossas crias não fossem abandonadas. Muitas lutam contra seu instinto e continuam da mesma maneira que eram. Mas basta ouvir um pouquinho seu coração que muitas coisas, muitos hábitos, mudam.
Vou continuar fingindo de morta com a água pelo joelho no mar (tá bom, ontem mesmo nadei em alto mar, mas estava bem mansinho) e com o coração tranquilo.
Sei que a vida e a morte, a saúde e a doença não estão sob meu controle, mas também sei que Deus me deu responsabilidades, e que preciso estar aqui para cumpri-las. E sabe? Cumpro com alegria, e não me importo com o que deixei de lado, porque tenho tantas outras aventuras com a maternidade que o mar bravo virou fichinha.




Comentários

Renata disse…
Como sempre uma delícia ler seus comentários, vc devia escrever um livro de memórias. Quando vcs voltam? Beijos, Renata

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